24 junho 2005

Há vida para lá do futebol.

Nos dias que correm o futebol ocupa um espaço privilegiado na vida portuguesa. Acabaram os campeonatos e nem por isso as notícias de futebol deixaram de fazer primeiras páginas, nem os debates televisivos deram tréguas. O futebol invadiu decisivamente as nossas vidas e até os políticos se rendem cada vez mais à terminologia e às metáforas do futebol. Ao nível desportivo, esta predominância do futebol tende a abafar cada vez mais as outras modalidades. E Braga não foge à regra. Foi um ano excelente para o futebol profissional do Sporting de Braga. Conseguimos igualar a melhor classificação de sempre na superliga, com um 4º lugar, além de termos lutado taco a taco com os chamados “grandes”. Também a equipa B teve um desempenho muito bom.Mas o certo é que os êxitos não ficaram por aqui. Foi um ano de ouro para o desporto bracarense. Os nossos atletas brilharam em várias modalidades. Nos últimos anos as modalidades mais bem sucedidas no Sporting de Braga têm sido os desportos predominantemente individuais: natação e atletismo. Curiosamente, nesta ultima época destacaram-se os desportos colectivos. Destaque maior cabe, inequivocamente, à secção de Voleibol. As equipas femininas de juvenis e de juniores sagraram-se campeãs nacionais. Dois títulos nacionais na mesma época! Na mesma modalidade, no Campeonato de Desporto Escolar, as equipas de “iniciados” e “juvenis” do Centro de Formação Desportiva da Escola “EB 2,3” de Lamaçães sagraram-se igualmente campeãs nacionais. O ABC, embora tenha passado por grandes problemas financeiros e directivos, foi finalista de uma competição europeia equivalente à Taça UEFA do futebol: só foi derrotado na final da taça Challenge.A equipa sénior do Hóquei Clube de Braga ascendeu à Primeira Divisão Nacional de Hóquei em Patins, um feito inédito no desporto bracarense.Finalmente, a equipa de Futsal do Sporting de Braga ascendeu à primeira divisão do campeonato nacional.Estes feitos são, sem dúvida surpreendentes. Mas, quanto a mim, ainda mais surpreendente é a falta de divulgação que eles tiveram. Acredito que o que escrevi acima constitua novidade para muitos bracarenses, mesmo adeptos! Os jornais de Braga, sem dúvida, deram o devido realce a estes acontecimentos. Mas não me parece que haja uma consciencialização do verdadeiro alcance destas vitórias. Nós próprios, que acompanhamos o fenómeno desportivo bracarense, ficámos contentes, até orgulhosos, mas aquele entusiasmo, aquela vibração, parece decididamente reservada em exclusivo ao futebol. Isto porque não vivemos as modalidades da mesma forma.Estas modalidades merecem, sem dúvida, toda a atenção da nossa parte, os adeptos. Muitas vezes indignámo-nos com os poucos espectadores que se apresentam nos pavilhões, com a falta de atenção por parte da Comunicação Social, com a pouca atenção por parte dos dirigentes, com os orçamentos reduzidos, etc. No entanto, temos que, antes de mais, questionar a nossa postura. O futebol exerce um fascínio tão grande que monopoliza a nossa atenção. Quantos de nós reservamos um pouco do nosso fim-de-semana para ver um jogo de Voleibol ou de Hóquei? Muito poucos, certamente. Se queremos exercer condignamente o nosso papel na família, e se juntarmos a isso o futebol e outras actividades inadiáveis ao fim de semana, raramente resta tempo disponível para as modalidades. Como resolver isto? Como conseguir uma massa adepta que se dedique com fidelidade a estas modalidades? É complicado responder a esta questão e não vou ser eu a dar uma resposta definitiva. No entanto, este assunto merece reflexão: até que ponto vale a pena esta dedicação exclusiva ao futebol, que tantos de nós sentimos?
Manuel Cardoso

02 junho 2005

Acabou a vindima.

Acabou a vindima, está na hora de lavar os cestos. O Benfica foi campeão e o Vitória de Setúbal ganhou a Taça; um final a condizer com o enredo: o Vitória, com o orçamento mais baixo da superliga sublinhou o mote da época - a sublevação dos pequenos. Sempre em bicos de pés, depois de eliminar o Guimarães, o Braga e o Boavista, os da terra de Bocage bateram o pé a um campeão ainda na ressaca dos festejos. Foi bonito de ver, um clube de quem se dizia já não conseguir pagar os ordenados, encheu-se de brios e ganhou com todo o mérito. Quanto ao Benfica, merece os parabéns por ter conseguido o título, ao fim de onze anos de luta tenaz. Depois de ter passado uma época cheia de assobios e polémicas, é com todo o mérito que o Benfica chega ao fim em primeiro, superando o campeão europeu, o finalista da taça UEFA e o Sporting de Braga (!).Há cerca de seis meses atrás, o presidente encarnado, Luís F. Vieira, afirmava à Comunicação Social: “Disse uma vez no autocarro à equipa: vamos ser campeões no Porto, na última jornada. O país vai parar e vamos demorar uma semana a chegar a Lisboa”. Premonitórias palavras! Foram, de facto, campeões na última jornada, no Porto e Portugal parou. Parou de tal maneira que até o nosso primeiro (José Sócrates) aproveitou para nos apertar o gasganete mais um bocadinho. Roucos de tanto gritar, os benfiquistas (que, como se sabe, são mais do que os portugueses) nem tiveram forças para gemer com o aperto da corda no pescoço. De facto, L. F. Vieira só não acertou numa coisa: não demoraram uma semana a chegar a Lisboa porque havia ainda a final da Taça (que maçada, terão pensado alguns jogadores). Mas a derrota no Jamor nem custou muito a digerir porque a euforia ainda reinava. Logo após a conquista do título, o referido presidente encarnado tinha afirmado: “Fomos sérios dentro e fora do campo”. Confesso que esta frase me deixou confuso: afinal não era suposto serem-no sempre? E não é suposto que os adversários também o sejam? Mais confuso fico ainda quando me lembro de algumas afirmações de L. F. Vieira quando, antes do início da época, afirmava que o Benfica precisava de ter mais “peso” na Liga e no Conselho de Arbitragem. Afinal não foi preciso aumentar esse peso? Bem, o melhor é não pensar muito nisto porque não iria certamente concluir coisa nenhuma. Aliás, no futebol português raramente se conclui coisa alguma. O que conta mesmo são os somatórios finais e o Benfica foi quem amealhou mais pontos. Alguns dizem que foi o “frango” do Ricardo que decidiu o campeonato; outros dizem que foi a auto-expulsão do Liedson; outros ainda afirmam que quem decidiu tudo foi o Estoril; há ainda quem diga que Luís Guilherme e Cunha Leal também tiveram um papel importante. Será? Mas nestas coisas funciona sempre aquela frase do anúncio das pizzas: “tudo é importante”; passe o lugar-comum, um campeonato é uma prova de regularidade e para uma equipa chegar ao fim em primeiro tem que haver muitos factores a contribuir para tal. Um desses factores foi, sem dúvida Trapatoni. Foi, ao longo da época, um treinador contestado, assobiado, insultado mesmo. Pelos mesmos benfiquistas que agora festejam. O futebol tem destas coisas. Afinal, jogar feio e ganharparece que está na moda. O título do Benfica, na verdade, deve-se em parte a esta “velha raposa” (raramente este epíteto foi tão bem aplicado). Ele soube ver, com toda a calma do mundo, que a voz dos adeptos não é a voz da razão. Nós vemos as coisas à luz do coração e de vez em quando é bom que o admitamos.Mas também José Veiga e Luís Filipe Vieira tiveram o seu mérito,incutindo um espírito ganhador que há muito não se via no Benfica (para o empresário esta é também uma vitória pessoal sobre Pinto da Costa e Jorge Mendes). Acima de tudo, trouxeram uma onda de entusiasmo e euforia que se viveu na Luz durante toda a época. Uma euforia tão grande que tudo o que é negativo cai no saco do esquecimento. Ninguém repara, por exemplo, que o passivo consolidado do Benfica é de 375 milhões de euros e neste ano aumentou em 50 milhões. Afinal de contas, o futebol vive de vitórias; que interessam os números? Para a História fica apenas isto: o Benfica é campeão, o Vitória ganhou a Taça e para o ano há mais. Sem azias nem invejazinhas, parabéns aos vencedores.
Manuel Cardoso